Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, pesquisadores de Harvard, têm se tornado especialistas nas quebras da democracia. Historicamente trabalharam no estudo sobre países da América Latina e de regiões do mundo onde ditadores usurpam o poder por meio de golpes de Estado. Mas quando voltaram o olhar para dentro de casa, comprovaram que a democracia, sob o signo do populismo de Donald Trump, corria sérios riscos. O resultado é Por que as democracias morrem?, um livro interessante para compreender as ameaças de nosso tempo, uma advertência forte aos que alguma vez acharam que valia conviver com um presidente antidemocrático como Jair Messias Bolsonaro em prol de um bem maior.
“Tratam os adversários como inimigos, intimidam a imprensa livre e ameaçam impugnar os resultados eleitorais. Procuram enfraquecer as defesas institucionais da democracia, incluídos os tribunais.” Com essa descrição, eles iniciam uma análise rigorosa dos déspotas que não chegaram ao poder por meio das armas, mas usando as ferramentas legais da democracia. Os modelos exemplares são Adolf Hitler, Benito Mussolini e Hugo Chávez. Nos três casos, figuras carismáticas, capazes de despertar entusiasmo na população, vindas de fora da política e empossadas por caciques tradicionais para, já no comando da nação, de maneira progressiva, sufocar as barreiras que lhes impedem de se apropriar da totalidade do poder.
A partir desses três modelos, chega-se num comportamento padrão dos governantes de vocação antidemocrática. Todos começam com a rejeição, por meio de palavras ou de fatos, das regras do jogo democrático: ameaçam uma suspensão do Parlamento ou do Poder Judiciário, restringiram direitos civis (como o habeas corpus), elogiam governos que adotaram medidas restritivas contra a liberdade, propõem leis ou medidas que limitem as críticas ao governo. Seguem com a negação dos oponentes políticos: descritos como subversivos, ameaças para a segurança nacional, delinquentes ou agentes alinhados com potências estrangeiras. Ainda, há a vinculação com grupos paramilitares, milícias ou guerrilhas, o apoio ao linchamento ou à agressão de adversários, a recusa a condenar e penalizar atos violentos contra oponentes e o elogio de ações destacadas de violência política.
Os pesquisadores percorrem o governo Trump e concluem que é a polarização extrema que debilita a democracia, apagando as “regras não escritas do jogo democrático”. É a polarização, afirmam, que acaba com as democracias.
Há duas questões a serem observadas. Primeiro, a escolha de Chávez junto a Hitler e Mussolini, que certamente será questionada pela esquerda; haveria muitos outros nomes de ditadores que mereceriam esse lugar no pódio antes do venezuelano, mas é incontestável que as condições listadas coincidem com a ascensão do chavismo. E o mais relevante é a total aderência do presidente Bolsonaro às condições que levaram Hitler, Mussolini e Chávez a espaços de poder em detrimento da democracia.
Está traçado aí o caminho percorrido desde a eleição de Bolsonaro e o de uma série de governantes pouco simpáticos às nuances da pluralidade, contrários aos direitos das minorias ou de maiorias historicamente submetidas, praticam um discurso de restrição e enfraquecimento da democracia. Testam os limites dos sistemas que os elegeram, defendem o retorno a modelos menos inclusivos e associados a valores tradicionais, muitas vezes religiosos. Já mencionamos alguns deles: Viktor Orbán na Hungria, Donald Trump nos EUA, Matteo Salvini na Itália.
A maneira pela qual esses governantes chegaram ao poder tem muito a ver com a forma em que ele se exerce e se mantém. Todos eles encontraram nas redes sociais um diferencial nas campanhas e na comunicação com a base de apoiadores. Todos eles desprezaram os canais instituídos e, como Uber e Airbnb, apostaram na desintermediação: fora partidos, fora meios de comunicação, o contato deve ser direto. Um paradoxo de difícil solução para aqueles que, para evitar que o Brasil virasse uma Venezuela, deram seu voto ao candidato mais próximo de Chávez.