Destinos em xeque

O sistema dos meios de massa tem uma origem comum, em tempo e espaço, com a democracia representativa e com o sistema capitalista. As primeiras publicações periódicas nascem com o objetivo de facilitar a vida de comerciantes, industriais e, de modo geral, agentes econômicos de uma nova ordem. Os meios de comunicação ganharam espaço e cumpriram uma função: ser o contrapoder do Estado, em mãos privadas. Olhar atento e crítico, capaz de detectar desvios daquilo que a sociedade considerava correto de seus governantes, em respeito às regras não escritas que preservam a nação e a democracia. E até mesmo as regras escritas: vide as denúncias do Washington Post que acabaram derrubando o então homem mais poderoso do planeta, o presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon. Num jogo de contrapesos, ao Estado cabia o papel de controlar a imprensa nos limites permissíveis: por exemplo, evitando concentração excessiva ou monopólio, por meio de leis antitruste. Os Estados nacionais são donos das frequências que as TVs, muitas vezes críticas, usam para difundir seus conteúdos: um governo autoritário poderia cair na tentação de ameaçar a não renovação de uma licença de uso de frequência caso a imprensa o incomode.

Foram vários os motivos que fizeram ruir o negócio dos meios tradicionais: jornal, revista, rádio, TV aberta. Em primeiro lugar, a mudança de hábito das pessoas, que passaram a ocupar mais tempo em redes sociais e menos nas páginas de uma revista, ou começaram a ler as notícias na internet ou no celular e deixaram de comprar o jornal ou de ligar a TV para assistir ao noticiário. Quem tinha um Fusca nos anos 1970 podia ler a revista Quatro Rodas, e se ele fosse corintiano teria a revista Placar; hoje, existem sites e blogs sobre cada modelo e marca de carro e um número incalculável de publicações para os torcedores de futebol. Cada interesse humano tem canais onde é possível encontrar informações e opiniões. Acompanhando os usuários, a verba publicitária também deixou os meios tradicionais, e os anunciantes descobriram que as redes sociais e os mecanismos de busca são ferramentas poderosíssimas de venda.

Com a globalização, surgiram grupos empresariais multimídia que produzem e distribuem informações e entretenimento global, interpretam os fatos e distribuem uma visão única em escala planetária. No mesmo meio físico (fios, cabos, ondas), transportam-se serviços que antes eram separados. Já não apenas TV, rádio, imprensa, tudo acontece no digital: tem teatro e concertos, cursos, encontros, congressos, namoros… Muitas atividades que antes eram regionais e independentes foram engolidas pelo novo modelo, outras reforçaram a sua especialização, e também surgiram modalidades novas, sequer imagináveis antes.

Estamos perto demais da mudança, ela nos envolve de maneira que custa compreendê-la em toda a sua dimensão e nas suas contradições. De um lado, vemos maior liberdade do indivíduo, mas há também mecanismos de vigilância e controle sem precedentes. Há um acesso mais fácil à participação política, novas vozes podem ser ouvidas e surgem atores novos na cena da democracia, mas por outro lado vemos uma polarização instalada e crescente que apaga as sutilezas e as posições divergentes. Qualquer pessoa, sem necessidade de talento, pode se expressar na rede, construir seu meio de comunicação, produzir vídeos ou músicas e colocá-los ao alcance de milhões. Assim, há espaço para uma maior variedade de pontos de vista, mas o poder para determinar interpretações nunca foi tão forte nem tão concentrado. Todos podemos montar um negócio sem grande capital e ocupar um lugar no mercado, mas, na outra ponta, a economia de algumas corporações midiáticas movimenta mais dinheiro do que a maioria dos países.

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